sábado, 25 de setembro de 2010

O estrangeiro

     Me sentia um personagem de Kafka. Olhava para os lados e apenas via formas distorcidas e sem rosto que lembravam pessoas. Achei a visão pertubadora,mas a cidade já me parecia estranha a alguns dias. Saí pelas ruas procurando razões que me fizessem enxergar o que havia mudado enquanto eu dormia.
     Eu passava por uma esquina movimentada,quando perguntei,ao que parecia um homem,sobre o que havia acontecido com a cidade. Ele não compreendia o que eu o falava. Era recíproco. Corri até a padaria e perguntei à forma que seria o padeiro sobre o que havia ocorrido com todos a minha volta,mas nada,nem ninguém,poderia me entender.
     Não poderia deixar de notar naqueles rostos sem traços,que não havia sentimentos. Não havia nomes,apenas números. A angustia corria em minhas artérias e chegava até meus olhos. A sensação na qual eu me via refém era demasiadamente surreal e assustadora. Me tornara o único a não ser coisificado na cidade. Doía a ideia de me tornar um estrangeiro em uma nação sem face,mas eu seguia a tentar compreender o que acontecia a minha volta.
     Atravessei a avenida procurando por vida comum. Nada encontrara senão mais formas semi-humanas. Carros e ônibus cheios de vidas vazias andavam com destino para lugar algum. Tentei ligar para algum conhecido,mas quem me atendeu apenas se conteve no silêncio de quem não entende. A desilusão me contagiava o semblante. Decidi voltar para meu apartamento até que eu me conformasse com o ocorrido.
     Já em casa,me confortei em olhar meu rosto no espelho e ver que nele ainda havia formas. Ainda havia expressões que me faziam sentir vivo. Abri a janela. Me aproximei o quanto pude,fazendo coexistir minha curiosidade com meu medo de altura. Olhei para as ruas e vi pessoas saindo de suas casas. Não havia mais razões. Não havia mais destinos. Havia apenas a sensação de que eu estava acordado.

Niterói,25 de setembro de 2010,Gabriel Nery Inchausp.

6 comentários:

  1. Muito bom... pareceu até um caso que apareceu nos jornais: da dislexia de linguagem. Uma mulher americana, que só falava em inglês, numa bela manhã, acorda falando em francês e não sabe mais o seu idioma nativo, o inglês. hehe
    Mas seu texto está muito criativo, além de prender a atenção até o final e liberar o pedido de mais. Aquele abraço.

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  2. Fala meu garoto!!!

    Aí amigão, costumamos achar que tudo aquilo que fica um pouco
    longe das plausíveis explicações terrenas, pode nos causar
    as mais terríveis angústias.
    Então os nossos eus sem rostos, também nos causam medos
    que podemos entender no fato de não conhecermos bem os caminhos a serem traçados na obra do trabalho de todos os seres humanos.
    Nesta mesma casa santa de nossas vidas,
    encontramos outras moradas do Senhor Deus Criador. rsrsrs
    Simples meu caro Cara... DESDOBRAMENTO!!!!!

    Beijo no coração irmãozinho!!!

    Fique com Deus!

    Beto.

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  3. O mais curioso é que o que você escreveu acaba sendo tão real. Acho que no fundo, todos temos dias assim. Só que deixamos passar, fingimos que não foi tão assim e que no dia seguinte vai estar tudo melhor. Acho que faz parte de viver,né?

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  4. Como eu já disse: muito bem bolado!
    A incompreensão e a ausência de rostos mostram um pouco do mundo, visto por quem tem paciência e discernimento pra observar.

    Mais um ótimo texto, Gabriel!
    Parabéns.

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  5. outro ensaio sobre a cegueira... ;)

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  6. Onde estão seus textos? Sinto falta...

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